Aconteceu na 2ª edição


Workshop do Instituto Lado a Lado debate o câncer de pele sob diferentes óticas

Segunda edição do evento reuniu especialistas das áreas de saúde, meio ambiente, poder público, indústria e pesquisa para discutir as vias para reduzir a incidência da doença

 

O câncer de pele é muito mais que uma questão de saúde. Os fatores que fazem deste tumor o mais incidente no Brasil e no mundo – foram 175 mil novos casos de câncer da pele não melanoma no país em 2016 – ganharam a atenção de especialistas das áreas da saúde, poder público, meio ambiente, comunicação e indústria na segunda edição do Workshop Câncer de Pele e Melanoma, realizado pelo Instituto Lado a Lado Pela Vida, ontem em São Paulo.

“Não é um problema só das Secretarias de Saúde. É multidisciplinar e multisetorial, envolve escolas, associações, secretarias de Educação e Meio Ambiente. É preciso investir na educação continuada. É através da repetição que as pessoas entenderão a importância”, afirmou o professor do Instituto Federal de São Paulo, Roberto Rillo Biscaro. Ele, que é autor do livro “Escolhi Ser Albino”, também levantou a questão da inacessibilidade mais explícita à prevenção quando se trata deste grupo mais vulnerável.

Para falar sobre a dificuldade de acesso ao protetor solar – principal proteção contra o câncer de pele – estavam presentes o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (ABIHPEC), João Carlos Basilio, e o deputado estadual em São Paulo, Carlos Giannazi (PSOL). “60% do valor do protetor solar corresponde a tributos”, afirmou Basilio. Ele explicou que o produto é classificado como “supérfluo”, por isso a carga tributária é tão grande. “Isso acaba dificultando o acesso das classes C e D”.

Gianazi defende na câmara um projeto que obriga o sistema de saúde público de São Paulo a distribuir protetor solar gratuitamente a grupos mais vulneráveis, como os albinos. O projeto de lei (PL683-2009) foi aprovado em todas as comissões e aguarda votação final. “É importante que haja pressão, mobilização e apoio de outros movimentos sociais. O melhor ‘empurrão’ é a pressão social”, afirmou.  Ele saiu do encontro com o compromisso de colocar também em pauta a questão da tributação excessiva, sugerindo, por exemplo, a isenção do ICMS do produto no Estado de São Paulo.

Outra dificuldade, segundo o presidente da ABIHPEC, é a inclusão do protetor solar como Equipamento de Proteção Individual (EPI) para trabalhadores expostos ao sol. A luta no Ministério do Trabalho esbarrou no entendimento de que o item seria de aplicação individual, podendo ocorrer de forma errada, caracterizando-se como mau uso. Consequência disso, grandes empresas, como os Correios, enfrentam ações trabalhistas de funcionários que contraíram câncer de pele e sentem-se lesados pelo trabalho exercido.

Um câncer cultural

“O câncer de pele tem fortes raízes culturais e de hábitos, por isso é o mais passível de prevenção”, afirmou o professor da Faculdade de Medicina da USP, Paulo Hilário Saldiva. Ele condenou a cultura do bronzeamento que é fortemente propagada pela mídia.

“Precisamos mudar essa ideia de que o bronzeado é bonito”, afirmou a dermatologista Paula Sanchez. Hoje, além da exposição excessiva ao sol, é comum a prática de bronzeamento artificial. “Essas câmaras de bronzeamento aumentam em 75% o risco de câncer de pele. São classificadas com o mesmo potencial cancerígeno do cigarro”, explicou a oncologista Carolina Kawamura.

A oncologista também apresentou pesquisas que mostram que indivíduos que sofreram duas ou mais queimaduras solares têm 2,7% a mais de risco de contrair a doença. Para ela, e todos os especialistas presentes, é fundamental que o uso do protetor comece desde a infância. Além do produto, proteções físicas como chapéu, óculos e roupas com proteção UV são aliados da prevenção.

Estima-se que o uso de protetor solar diariamente reduziria em 30% os riscos de incidência de câncer de pele.

Educação multidisciplinar

Para o dermatologista Elimar Elias Gomes a prevenção também passa pela educação direcionada a profissionais que ‘examinam’ a pele das pessoas diariamente, como manicures, tatuadores e cabeleireiros. Esses profissionais não diagnosticam, mas têm um importante papel de alertar e sensibilizar as pessoas de uma forma mais eficaz.

Segundo estudos da Universidade da Carolina do Norte, nos EUA, o câncer de pele é mais perigoso quando localizado no couro cabeludo ou pescoço. Rodrigo Gimenes, cabeleireiro e diretor da Intercoiffure América Latina, participou do debate sobre o tema e informou aos presentes que, dos 50 profissionais com quem trabalha, metade desconhecia a possibilidade de incidência do câncer de pele no couro cabeludo. “Se a gente tem o conhecimento e se preocupar um minuto para olhar, já podemos ajudar bastante”.

O alerta também foi dado aos tatuadores. Sandra Azedo, diretora de Comunicação Corporativa da Ogilvy Brasil, apresentou para os convidados uma campanha voltada para a conscientização deste público, que mobilizou mais de 250 tatuadores. Eles foram treinados para orientar seus clientes sobre os cuidados ao cobrir pintas existentes na pele. “A primeira coisa que a pessoa quer fazer é cobrir uma mancha. Através desta ação elas recebiam informações para redobrarem a atenção com a mudança ou surgimento de novas pintas na pele tatuada”.

A importância do diagnóstico precoce

Quando detectado precocemente, o câncer de pele tem altas chances de cura. Segundo o patologista Gilles Landman, a profundidade de uma pinta determina o nível de estadiamento da doença.

Por isso a importância de tornar as consultas ao dermatologista mais frequentes, principalmente se há caso de histórico familiar ou pessoal. A consulta anual com este profissional também deve ocorrer se a pessoa possui mais de 25 nevos no corpo, se tem pele clara, se é portador de HIV ou linfoma, se apresenta nevos displásicos – as chamadas ‘pintas feias’, que, apesar de benignas, estão mais associadas à melanoma –, ou se trabalha em contato com produtos químicos.

No entanto, independente destes fatores, o alerta deve ser para todos. As visitas ao dermatologista não devem ser feitas apenas com intuitos estéticos. “Muitas vezes o paciente chega ao consultório com uma lista do que quer checar no corpo, e muitos não querem checar o corpo inteiro”, exemplificou a dermatologista Paula Sanchez. “A dermatoscopia deve ser feita mesmo em consultas de rotina”, pontuou.

“Quimioterapia é idade da pedra”

O tratamento da doença localizada, com a retirada total do tumor, tem 90% de chances de cura. Em 2013, novas terapias foram desenvolvidas para tratar a doença metastática.

Segundo a oncologista do Centro de Oncologia do Sírio Libanês, Marina Sahade, a quimioterapia é a “idade da pedra” do tratamento do câncer de pele. No entanto, hoje é, infelizmente, a única terapia disponibilizada no Sistema único de Saúde.

Ao mesmo tempo, pacientes estão cada vez mais informados e lutando pelo acesso a tratamentos mais avançados e eficazes. “Terapias avançadas existem, a questão é: quem precisa de qual tratamento e como disponibilizar o acesso a essas pessoas”.

Os especialistas discutiram os entraves para a aprovação e introdução de novas drogas no País. “Algumas vezes leva-se até um ano para a precificação de uma droga já aprovada”, lembrou a oncologista.

Também participaram do Workshop o oncologista João Paulo Lima, a pesquisadora científica Mariana Matera Veras, o dermatologista Reinaldo Tovo Filho, o advogado Francisco Tadeu Souza e a jornalista Ana Paula Morales, que mediou o encontro. Confira aqui todas as fotos do evento.

 


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